Monday, January 28, 2008

Bonzinho. Fofinho. De longe.

O blockbuster da vez em Hollywood, se sombra de dúvidas é "O Caçador de Pipas". Dirigido por Marc Forster, belícimamente adaptado por David Banioff (A Última Noite) a partir do livro de Khaled Hosseini e que conta a história de Amir (Abdalla), um afegão refugiado nos Estados Unidos que, às vésperas de lançar seu romance de estréia, recebe uma ligação de um amigo da família que agora se encontra no Paquistão. O telefonema leva a um longo flashback que nos remete à infância de Amir e à sua amizade com Hassan (Mahmidzada), filho do empregado da casa. Pertencente à etnia Hazara, Hassan é visto com preconceito pelas crianças locais, que também antagonizam Amir por não aprovarem as atitudes de seu pai, Baba (Ershadi), que insiste em proteger seus empregados – algo que leva a um incidente particularmente violento que culmina no rompimento da amizade entre as duas crianças. Para piorar, com a invasão do exército russo, Baba, notório anti-comunista, é obrigado a deixar o país ao lado do filho, que, anos depois, descobre que o destino de seu velho amigo Hassan não foi dos mais felizes.

Tenham certeza, falarei do filme e não será por alto. O que me impressiona é a capacidade de todo mundo acreditar que essa história é simplesmente uma história de amizade profunda. Se me chamarem de maluco por acreditar em teorias malucas, eu posso até acreditar, mas em "O Caçador de Pipas" ´ fica escancarada a necessidade de se levantar uma bandeira apologista em prol dos norte-americanos e de seus atos em guerra. Quase que uma forma de justificativa por tudo aquilo é feito em guerra pelas forças yankies. Por isso saí do cinema com raiva do filme, por mais que eu tenha achado o filme esplêndido. Se você tem o mínimo de senso de política e das coisas que acontecem no mundo, creio eu que o mesmo sentimento aparecerá ao sair da sala de cinema.

Enfim, falando do filme, propriamente dito, "O Caçador de Pipas" fala sobre guerra (óbvio até agora né?).

Embora aborde a instabilidade política no Afeganistão ao longo das décadas nas quais a trama se passa, O Caçador de Pipas observa a guerra com os russos e a conseqüente dominação do cruel regime taliban como algo periférico, que se torna pertinente apenas no que diz respeito às suas conseqüências nas vidas dos personagens. Com isso, é a dinâmica entre estes que compõe a alma da narrativa – especialmente a amizade entre os jovens Amir (Ebrahimi) e Hassan. Aliás, o relacionamento dos garotos é especialmente complexo, já que Hassan não é apenas um amigo, mas também um empregado de Amir – e sua fidelidade ao outro é marcada pela submissão. Em determinado momento, por exemplo, ele afirma que “comeria terra” se Amir assim ordenasse e, quando este pergunta se isto é verdade, Hassan confirma, mas indaga, angustiado: “Você me pediria isso?”, levando seu amigo-patrão a negar, indignado. Esta breve troca de diálogos, diga-se de passagem, resume perfeitamente a complexa natureza daquela relação e planta, no espectador, a certeza de que algo que exige tanto equilíbrio não poderá durar por muito tempo quando os envolvidos são crianças e, portanto, imaturas demais para compreender sentimentos tão conflitantes.

Da mesma maneira, o filme encontra, no campeonato de pipas que ocorre em determinado instante, uma metáfora maravilhosa (e tocante) para a forma com que os dois garotos enxergam o mundo: enquanto Amir é um mestre no controle da pipa, cortando a linha de seus oponentes com destreza, Hassan é o “caçador” do título, mostrando-se extremamente hábil na tarefa de encontrar as pipas derrubadas pelo amigo. Em outras palavras: enquanto Amir se delicia com a liberdade do brinquedo e a segurança de poder “voar” quando necessário (como realmente fará no futuro), Hassan é obrigado a manter os pés no chão e a lidar sem concessões com a realidade. Aliás, não é à toa que ele demonstra uma visão tão pragmática quando ouve uma história criada por Amir sobre um homem cujas lágrimas podem ser transformadas em pérolas e que, para provocar o próprio choro, mata a esposa. “Por que ele não descascou uma cebola?”, questiona o pequeno menino Hazara, sem hesitar, deixando o sonhador Amir sem palavras.

São momentos como estes que ilustram a sensibilidade de Hosseini (e de Benioff) ao compor seus personagens – algo também confirmado pela natureza absurdamente complexa da raiva que Amir gradualmente passa a sentir de Hassan depois de testemunhar a violência sofrida por este nas mãos dos garotos locais. O que Amir não percebe é que sua antipatia é fruto da própria inação, já que a presença do amigo o faz lembrar da própria fraqueza ao não defendê-lo – e, ao tentar afastar o outro, ele procura esconder o espelho que reflete sua covardia. É fundamental dizer, a propósito, que as performances dos garotos Zekeria Ebrahimi e Ahmad Khan Mahmidzada são profundamente sensíveis e tocantes, o que se torna especialmente surpreendente se considerarmos que os dois jamais haviam atuado antes (e Mahmidzada, em especial, comove com sua submissão e com a alegria infantil que exibe ao ser presenteado com uma pipa, quando um largo sorriso enfeita seu rosto tão precocemente sério).

Enquanto isso, Homayoun Ershadi (O Gosto de Cereja) transforma Baba numa figura igualmente complexa: por um lado, seu carinho por Amir é óbvio; por outro, sua frieza ao exigir mais rigidez do garoto assusta por suas implicações. Ao mesmo tempo, é fácil compreender por que ele julga tão importante incentivar o filho a assumir uma postura mais ativa, já que ele próprio é um homem idealista que não hesita em arriscar a vida para defender um desconhecido. Baba é um pai imperfeito, é verdade (mas quem não é?), mas é também um homem que sabe reconhecer a importância de permitir que Amir siga seu próprio caminho, mesmo que não o aprove – e Ershadi retrata todas estas nuances de maneira sempre tocante, lembrando a igualmente magnífica performance de Irfan Khan no sublime Nome de Família. A diferença é que, aqui, uma revelação feita no final do segundo ato acaba jogando uma sombra particularmente pesada sobre a memória de Baba (o que não deixa de torná-lo ainda mais ambíguo).

Continuando a exibir uma versatilidade admirável na maneira com que conduz seus projetos (A Última Ceia, Em Busca da Terra do Nunca, A Passagem e Mais Estranho que a Ficção), o cineasta Marc Forster já acerta ao escolher paisagens particularmente desoladas da China como locações substitutas para o Afeganistão, já que a aridez vista na tela reflete perfeitamente o tumulto emocional de seus personagens – e a pequena árvore no meio das pedras é um símbolo perfeito do microcosmos de segurança promovido por Baba (e que também se desfará eventualmente). Além disso, Forster cria elipses inspiradas em diversos momentos, destacando-se aquela que transforma um caminhão na fronteira com o Paquistão em um trem elevado na Califórnia e, é claro, aquela que contrapõe uma festa de casamento ao instante em que os noivos a revêem num álbum de fotos. E mais: o diretor se mostra capaz de evocar a alegria do campeonato de pipas (quando, numa pan de tirar o fôlego, revela dezenas de crianças nos telhados de Cabul) e a brutalidade do regime taliban com a mesma eficiência, transformando O Caçador de Pipas numa admirável montanha-russa emocional.

Mas, embora acompanhemos os horrores aos quais aquele sofrido país se viu submetido ao longo dos anos (e a situação impossível do diretor do orfanato é um exemplo doloroso), o filme narra, no final das contas, a trajetória de uma testemunha daquela História: um homem que, por fim, aprende que defender o que julga certo não exige tanta coragem como supunha, mas apenas a força de seus princípios.





1 comment:

Diego Moretto said...

Antes de tudo,visto os antigos trabalhos de Foster, não acho gritante a maneira como trata a guerra em prol da bandeira americana no filme. Sério mesmo. Na verdade vejo o contrário da sua opinião. Assim como Hosseini, Forster utilizou do artificio dramático exaltado ao contar (como pano de fundo) a história do Afeganistão. Em tempos modernos, digo atualmente mesmo, funciona como um vergonhoso espelho para os americanos, já que temos a destruição vertiginosa do Iraque - que mesmo tendo um grande dedo dos mulçumanos na destruição, é intrasnferível o ato de culpa aos norte-americanos.
Mas falando do filme, caramba, o que se tem pra falar? É maginifico. Forster novamente mostrou leveza ao tratar de temas tão chocantes, além de ser um dos melhores na categoria diretor de elenco. Vc conhece algum daqueles atores?? A não ser o q faz o papel do Amir adulto, não me recordo de nenhum, e todos cumpriram brilhantemente o papel. Alguns com destaques notáveis, como o jovem que fez o pequeno Amir, e o ator que fez o pai ("baba" em árabe) - alias, ele é um dos pontos altos do filme, atuação explendida!
O roteiro é totalmente bem amarrado, e vc não poderia fazer uma ligação melhor do que com a montanha-russa, no filme emoções são distintas e se encontram quase que toda hora.
Eu vejo mais o filme (assim como o livro) como algo em que diz que a busca pelo perdão faz o ser humano cometer atos inexplicaveis. E nisso tudo há o amor. Sim, ele existe e vem de diversas formas, como mostra o filme.
Bah, me deu até vontade de escrever sobre ele, hehehehe, mas deixa pra próxima. t+!